19 janeiro, 2007

O Falastrão

O retorno de recente viagem minha aos EUA fez a conexão vinda da costa oeste dos EUA chegar bem cedo no aeroporto de Miami, e agora me resta apenas bundar na sala de embarque da American Airlines até o horário do vôo para o Brasil. Já não tendo mais serviço nenhum para fazer, e ainda com muitas horas até o embarque, decidi usar este tempinho para traduzir um artigo interessante procêis, da The New Yorker de 8 de janeiro passado. Cometários adicionais mais abaixo.

A Página Financeira
Sinergia com o Demônio

Um ano atrás, ativistas progressistas e entusiastas políticos se reuniram em Caracas, Venezuela, para o Fórum Social Mundial, uma espécie de Conferência de Davos para a esquerda global. Pessoas lotaram o Hilton de Caracas para ouvirem conferências sobre os mals do neoliberalismo e a ameaça apresentada pela hegemonia dos EUA, e Hugo Chavez, o Presidente da Venezuela, fez um discurso para uma platéia de coisa de dez mil pessoas, no qual ele clamou por "socialismo ou morte". Foi uma admirável demonstração da importância de Chavez como um símbolo anti-captalista. E ainda assim, apenas seis meses depois, naquele exato mesmo hotel, o governo de Chaves hospedou uma conferência bem diferente de público internacional. Os que atenderam a esta eram empresários americanos, e a conferência era uma Feira de Negócios intencionada para convencer empresas americanas que a Venezuela é amigável a investimento estrangeiro e que está ansiosa para aumentar seu comércio com os EUA.

Para pessoas tanto da esqueda como direita, Hugo Chavez é uma espécie de Castro dos dias modernos, um virulento líder anti-americano que se posiciona como a ponta de lança da "Revolução Bolivariana" da América Latina. Ele clama por um "Socialismo para o Século 21", e regularmente declara radicais idéias econômicas; durante a sua recente campanha para a reeleição, ele sugeriu instituir na Venezuela uma espécie de mercado de escambo de commodities. Quando ele discursou na Assembléia-Geral das Nações Unidas em setembro, um dia depois do Presidente Bush, ele disse "O demônio esteve aqui ontem". E, ainda mês passado, depois de ter sido reeleito por ampla margem, ele dedicou a vitória a Fidel Castro, e proclamou que "era mais uma derrota para o demônio que tenta dominar o mundo".

A retórica de Chavez pode não soar inadequada para o Pequeno Livro Vermelho, mas apesar disto a vida cotidiana para muitos venezuelanos parece mais retirada de um catálogo da Neiman-Marcus. Graças ao boom no preço do petróleo, muitos Venezuelanos estão se indulgindo em um consumismo desenfreado que assustaria até mesmo um americano. No ano passado, as vendas de carros dobraram, preços de propriedades imobiliárias dispararam (valores de hipotecas estão trezentos por cento mais caros) e, graças a este frenezi de compras, empréstimos por cartão de crédito praticamente dobraram. E enquanto Chavez tem feito um bom trabalho em redistribuir receita do óleo venezuelano para os pobres, através do assim chamado misiones, desenvolvido para melhorar a educação, saúde e habitação, e ter forçado a companhias de petróleo em renegociar contratos, não houve nacionalização da indústria, relativamente pouca interferência com os mercados financeiros, e apenas gestos simbólicos em relação a reforma agrária. Se isto é socialismo, é o socialismo mais amigável aos negócios que jamais foi imaginado.

Ainda mais intrigante, a demonização dos EUA por Chavez tem tido pouco ou nenhum impacto nos negócios entre os dois países. Os EUA continuam a ser o parceiro comercial mais importante da Venezuela. Muito deste comércio é petróleo: a Venezuela é o quarto maior fornecedor dos EUA, e este é o maior cliente da Venezuela. Mas o fluxo de comércio vai em ambas as direções e é diversificado. Os EUA é o maior exportador de bens para a Venezuela, responsável por um terço das aquisições de seu mercado. O cenário de Caracas está decorado com anúncios da Hewlett-Packard e Citigroup, e a Ford e GM são líderes de mercado no país. E, mesmo que a retórica de Chaves tem ficado mais extrema, os dois países tem se relacionado mais: comércio entre os EUA e a Venezuela aumentou em trinta e seis por cento no ano passado.

Chavez tem sido o beneficiário de um excelente timing: o preço do barril de pretóleo quintuplicou desde que ele assumiu o poder, permitindo a ele repassar bilhões de dólares aos pobres. Mas ele pouco fez para diversificar a base industrial da nação, e relaxar a dependência da economia ao petróleo, enquanto suas poucas aventuras em estatismo e cooperativas terão nenhum impacto econômico significativo. Como resultado, os laços entre os EUA e a Venezuela na realidade ficaram mais firmes. E Chavez não pode os desfazer sem despedaçar a sua economia: a maior parte do óleo venezuelano é impregnado com enxofre, e as refinarias melhores equipadas para lidarem com ele estão nos EUA. É bem mais fácil e barato despachar petróleo da Bacia do Orinoco para Corpus Christi do que para uma refinaria em Xangai. De qualquer modo, é largamente duvidoso que a maioria dos venezuelanos quer desfazer estas relacões; a Venezuela tem tradicionalmente tem sido mais amigável aos EUA do que outros países sul-americanos. Beisebol é mais popular na Venezuela do que futebol, e há franquias da Subway e do McDonald's através do país.

O paradoxo é que o anti-americanismo de Chavez é fundamental para o seu apelo global, enquanto os consumidores e empresas americanas são fundamentais para a performance econômica de seu regime. Assim, enquanto ele fica viajando pelo mundo fazendo discursos sobre como o ganso deveria ser morto, ele depende dos ovos de ouro deste ganso para se manter no poder. Esta pode parecer uma situação insustentável, e tanto os que apoiam como os que desprezam Chavez assumem que, mais cedo ou mais tarde, suas ações podem começar a refletir sua retórica: ele corte o suprimento de petróleo para os EUA, ou algo do tipo. Mas ideologia enraizada e hostilidade política entre países é algo que atrapalha o comércio entre estes países bem menos do que se pode imaginar. O Japão, por exemplo, é o segundo maior parceiro comercial da Coréia, apesar do fato de que o ressentimento coreano contra o Japão é bem alto, graças a uma longa história de imperialismo japonês na região. Enquanto isto, a China considera Taiwan como uma província rebelde, e ameaça ação militar caso a ilha declare independência, mas comércio entre os dois países totaliza cerca de sessenta e cinco bilhões de dólares. Ao contrário do que pensadores Iluministas como Thomas Paine acreditavam, comércio nem sempre traz paz na sua esteira, "operando para coordenar a humanidade" (lembremos da Primeira Guerra Mundial, afinal de contas). Mas os benefícios do comércio muitas vezes compensam mesmo os mais opressivos pecados. Algumas vezes, faz perfeito sentido comercializar com o demônio.

Como de costume, gostei muito do artigo que o James Surowiecki escreve quinzenalmente na The New Yorker. Este em particular achei bem interessante para demonstrar basicamente duas coisas que tem passado muito debaixo do radar ultimamente no que diz respeito a Venezuela: como o Chavez é um belo de um falastrão que até o momento "Talk the Talk but Never Walk the Walk", e que ele realmente nunca demonstrou ter as bolas para enfrentar os EUA como gosta de arrotar que pode.

E além disto, como o papinho de que os pobres estão em primeiro lugar não cola muito -- este artigo do James Surowiecki corrobora um outro artigo do Le Monde que li recentemente, que comenta como o mercado de luxo na Venezuela disparou, e muito disto graças a corrupção desenfreada que infesta o país, tudo abaixo da vista grossa do Caudilho de Butique. Como vemos, este tipo de atitude não é exceção na América Latina mesmo para aqueles de esquerda, sem dúvida.

Claro, aqui e ali ele pode até ter atirado para os pobres da Venezuela algumas migalhas oleosas de toda a receita que está tendo, mas isto ainda assim está longe de justificar toda a pagação de pau e babação de ovo que os Perfeitos Idiotas Latino-Americanos adoram fazer ao seu mais novo herói fajuto.