02 março, 2006

Realmente não estão saindo de casa sem eles

Dia destes, eu estava fazendo um test-drive do Portal da Transparência, o website que a Controladoria-Geral da União implantou para divulgar publicamente gastos do Executivo, Ministérios e demais departamentos federais. Tal iniciativa, é claro, foi conseqüência da queimada-de-filme que sofreu a atual Administração do Planalto sobre gastos com centenas de cartões de crédito corporativos emitidos para o governo federal que estavam ocorrendo de maneira desconhecida e em um ritmo crescente -- a velha história de que quem nunca teve melado, quando tem, é aquela lambuzeira.

Mas enfim. Enquanto website, o portal parece funcionar bonitinho. Uma vez nele, dá para escolher entre duas categorias principais, que são repasses de verbas federais para municípios, e gastos diretos por pessoal do governo federal.

Os repasses podem ser consultados até o detalhe de registro da ação federal, e destino. Um exemplo de consulta aos repasses resulta em registros como este abaixo (exemplos por escolhas totalmente aleatórias de minha parte):

Selecione o FAVORECIDO de seu interesse para obter o detalhamento do Valor Destinado.

UF: BAHIA Exercício: 2005
Total destinado ao Estado: R$ 9.451.748.407,12
Total destinado ao Governo do Estado: R$ 3.879.733.053,33
Total destinado aos municípios do Estado: R$ 5.572.015.353,79
Total destinado ao município ALCOBACA: R$ 11.681.679,64
Total destinado à ação 09JB - Concessão de Bolsa a Crianças e Adolescentes em Situação de Trabalho: R$ 11.500,00

CPF/CNPJ/NIS/OUTROS NOME Valor Destinado

13.761.721/0001-66 PREF MUN ALCOBACA 11.500,00


Pode-se consultar por município e/ou por programa federal de ajuda, e eu especulo que uma boa cruzada de informação deve render muita info interessante e valiosa que, não duvido, acaba ficando debaixo do radar em debates relevantes aos temas por mera falta de se ir atrás e gastar algum tempo destrinchando a coisa.

A parte sobre gastos diretos por pessoal também é bastante navegável, indo do órgão mais alto aos seus departamentos e até a pessoa que efetivamente fez o gasto. Vejamos...

Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2005: R$ 21.706.269,63
Órgão MINISTERIO DA SAUDE: R$ 939.469,00
Órgão/Entidade Vinculada MINISTERIO DA SAUDE: R$ 750.350,22
Unidade Gestora GABINETE DO MINISTRO - MS: R$ 2.363,52
Portador 286.128.683-00 ANTONIA MOTA NETA: R$ 2.363,52

Extrato Transação CNPJ/Estabelecimento Comercial Data Valor

Dezembro/2005
COMPRA A/V - VISA-REAL-APRES 00.540.252/0001-03 PAPELARIA ABC COM E IND LT 13/12/2005 76,02

Novembro/2005
COMPRA A/V - VISA-REAL-APRES 00.540.252/0001-03 PAPELARIA ABC COM E IND LT 14/11/2005 65,80
COMPRA A/V - VISA-REAL-APRES 24.946.568/0005-91 DROGARIA NOVA DISTRITAL L 14/11/2005 16,55

Todos os registros são possíveis de serem "hiperlincáveis": você pode acessar diretamente o exemplo 1 acima clicando aqui e o exemplo 2 clicando aqui.

Navegando para lá e para cá nos registros, deu para perceber que a natureza dos tipos de estabelecimento são, na sua grande maioria, bem mundana; papelarias, postos de gasolina, pequenos comércios em geral, coisas que até se encaixam no tipo de gasto que um escritório qualquer possa necessitar no dia-a-dia de operações. Não acredito que vá ser fácil encontrar algum registro que dê para classificar como "gotcha!", como motéis ou casa de bingo... ninguém seria tão estúpido a este ponto, acredito. Não que jamais o fizesse, também. Apenas que não se permitiram serem pegos com a mão na massa pelo registro no extrato.

Relativo a isto, há algo que claramente chama a atenção. A quantidade de registros marcados como saque em dinheiro é absurdamente alta. Navegue aleatoriamente pelos registros e você vai esbarrar com dezenas, centenas de exemplos, marcados como "SAQUE CASH/ATM BB" e mais nada. Embora há muitos servidores que demonstram jamais utilizar a função, há inúmeros que o fazem, e há também aqueles que apenas o fazem, com seus registros demonstrando somente retiradas em dinheiro.

Qual seria a razão? Vai saber. Aliás, eu fico admirado em saber que os cartões corporativos estão habilitados para saque em espécie, coisa que por sua natureza, viola o próprio conceito que o Portal da Transparência visa endereçar: OK, sei que fulano de tal, do Departamento tal sacou mil reais no dia tal. E...? Por ser em espécie, acabamos não sabendo para onde foi La Plata.

Afina de contas, eu assumo que o detalhe das aquisições seja algo gerenciado e regulado pelo pessoal de cada departamento, mas até aí, não dá para saber isto por estes dados aqui apresentados: os registros parecem remeter diretamente ao que é gerado como banco-de-dados dos extratos dos cartões de crédito, então os detalhes vão apenas até o nome do estabelecimento pago -- não há maneira de saber o que foi adquirido. E, nos casos de retiradas em espécie, sequer para onde foi.

Outra questão é que alguns detalhes de diversos registros estão "travados" com a seguinte declaração:


Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado.

Já era conhecido que o Governo iria alegar isto para muita coisa, afinal de contas, foi aquilo que quiseram colocar como desculpismo logo de cara quando a questão do exagero do uso dos cartões veio à tona. Mas é curioso observar que isto ocorre nos dados do website mais freqüentemente com departamentos como a Polícia Federal e a Abin, mas raramente (até onde constatei, pelo menos) com departamentos do Ministério da Defesa, que supostamente também poderia fazer bastante uso da prerrogativa de segurança nacional. Contudo, seus registros mostram pouco uso desta opção. Bom para eles -- afinal, não acredito que esconder a ida até a papelaria ou ao supermercado esteja realmente violando a segurança nacional.

Enfim, uma ferramentazinha interessante, para dizer o mínimo. Não mostra tudo o que poderia e/ou deveria, mas pelo menos já é alguma coisa para estar a mão como material de referência, para garantir um mínimo fundamental de seriedade no uso da ferramenta de cartão de crédito corporativo. E imaginar que em lugares como a Suécia, por exemplo, Mona Sahlin, uma congressista daquele país, teve que renunciar a seu cargo e ficar anos afastada da vida pública por ter sido pega em usar o cartão corporativo do Riksdag, o legislativo sueco, para comprar uma barra de Toblerone...! Exagero? Talvez. Mas demonstra que a coisa lá é levada a sério, ao contrário de lugares como aqui na "Freedônia"...!