18 outubro, 2005

Uma Palhinha

Só comentar e nada demonstrar não é lá muito correto, não? Assim sendo, segue abaixo um exemplo de poesia que se pode encontrar na aqui já comentada Joaquim, para apreciação dos leitores. Manuel Bandeira o escreveu especialmente para a revista, publicado no número 17, em março de 1948.

Rondó do Atribulado do Tribobó

No vale do Tribobó
Tinha uma casa bonita
Com varanda de dois lados
Várias cadeiras de lona
Redes rangindo gostosas
E dentro pelas paredes
Uns quadrinhos mozarlescos
Como os cocôs de Clarinha...
Mas era um calor danado!

Lá fora em frente de casa
Tinha um bosque muito agradável
Todo de madeira de lei
-- Cedros jacarandás paus d'arco –
Debaixo de cuja sombra
Era bom ficar fumando
Embalançando nas redes
Contando bobagens...
Mas era um calor danado!

Dentro de casa o confôrto não deixava nada a desejar:
Luz elétrica gelo instalações sanitárias completas
Água quente de serpentina a qualquer hora do dia
Comida ótima
A mulher do homem que estava passando uns tempos no sítio era uma senhora distintíssima
Tinha três filhos: Rodrigo Luis que quando se referia aos planetas dizia "o Vênus", "o Mártir", etc; Joaquim Pedro bonitinho p'ra burro mas muito encabulado; e Clarinha, a mesma cujos cocôs já falei atrás.
Os meninos viviam de espingardinhas caçando taruíras
O atribulado achava tudo isto delicioso familiar bucólico repousante
Mas era um calor danado!

Na véspera da partida
Faltou água. Vejam só!
Foi um pânico tremendo
No sítio do Tribobó.
O atribulado desceu
Sacudido num fordinho
P'ra Maria Paula Baldeadouro Cova da Onça Fonseca Niterói
E embarafustou numa barca
Onde por cúmulo do azar
Surgiu o Martins errado!
(Não havia possibilidade de evasão
Nascer de novo não adiantava
Todas as agências postais estavam fechadas
Fazia um calor danado!)

Manuel Bandeira